Eu não sou a louca do doce. Em festa de criança, meu olhar é imediatamente atraído pela mesa das coxinhas, empadinhas e risoles, e só depois, bem depois de comer meia dúzia de cada salgado, olho com algum interesse para os brigadeiros e olhos de sogra – e como mais meia dúzia de cada, claro, como deve ser. Mas o ponto é que os salgados sempre vêm primeiro. E, ainda tentando provar meu ponto, nunca mamei leite condensado na lata. Não como doce por ansiedade. Como doce, e todo o resto, pelo prazer do esporte. Quando estou ansiosa, roo as unhas, não detono a caixa de bis. Que mais? Detesto refrigerante. Não adoço o café. Nem o chá. Nem muito menos – deus me livre – o toddy.
Por tudo isso, sempre achei que, se algum dia eu tivesse de restringir o consumo de doces por qualquer motivo, não seria nem um pouco difícil. Eu já nem como tanto doce mesmo. Aliás, nem gosto do que é doce demais. Nem de chocolate ao leite eu gosto muito. Quanto mais amargo, melhor.
Então recentemente descobri que tenho “alto risco para diabete”. Ou “alta propensão”. Algo assim. Um nível de glicose preocupante para uma pessoa de trinta e um anos, não-obesa e não-sedentária. Minha única alternativa, se eu não quiser tomar remédio logo (e, gente, odeio dorgas de qualquer tipo exceto vinho, saquê, vodka e anticoncepcional – todas as outras, prefiro evitar ao máximo)… É mudar minha alimentação. E restringir o consumo de doces.
Quão difícil isso poderia ser, não é mesmo? Afinal, eu mal como doce.
Então comecei esse processo de mudança.
Foi só então que constatei que, todos os dias, como uma torradinha com geleinha de manhã. Depois do almoço, um quadradinho de chocolate com o café. OK, vá lá – quem estamos tentando enganar – dois quadradinhos. Mais um pedacinho de bolo à tarde. E à noite, depois do jantar, mais um biscoitinho de chocolate, para arrematar. Tudo no diminutivo, claro, para não parecer que eu ingeria uma enorme quantidade de açúcar todos os dias.
Mas, como eu ia dizendo – comecei. E continuei. E mudei: parei com os doces. Funcionou. A glicose baixou e tudo está bem. Agora, como doce uma vez por semana só.
Se você me perguntasse há dois meses “o que você comeu de doce hoje”, eu nem sequer saberia responder. Porque simplesmente não prestava atenção. Era parte de uma rotina, era algo natural e instituído que eu decididamente não cogitava mudar.
E hoje – bem, você não perguntou, mas eu vou contar:
Eu sei exatamente cada doce que comi no mês que passou. Este sábado comi doce de banana com queijo branco. Sexta-feira da semana passada, um brownie de limão com coco que minha amiga fez. No sábado anterior a esta sexta, devil’s cake com frozen yogurt do America. Lembro exatamente de cada situação. Do sabor de cada uma dessas coisas. Do que eu estava sentindo e pensando quando comi cada uma delas. O devil’s cake eu comi sozinha, depois de uma semana inteira sonhando com ele. Eu estava preocupada com um texto que iria apresentar em um congresso. Mas a hora que o bolo chegou, deixei tudo de lado e simplesmente deixei-me envolver pelo milagre que é o chocolate entrando em contato com o iogurte congelado, fazendo-o derreter. O brownie me foi servido pela minha amiga, que cortou um pedaço para mim enquanto conversávamos sobre o mercado imobiliário da cidade. E o doce de banana eu estava em casa, com meu marido, e enquanto comia eu dizia que todos os dias deveríamos fazer um minuto de silêncio agradecendo a cada um dos heróis invisíveis e esquecidos que inventaram o cheese cake, o caramelo, a musse, o pudim, o quindim, a baba de moça. (OK, essa última parte eu me empolguei e acrescentei agora.)
Preciso dizer?
Preciso. Para mim mesma:
Mudar não é fácil. Mas não mesmo. Aliás, para utilizar o tempo verbal adequado, preciso recorrer à Kátia Cega: não está sendo fácil.
Sabe o que é fácil? Eu vou dizer o que é fácil:
Fácil é ficar esparramada no sofá com o feissy aberto em duas janelas, uma para você bisbilhotar fotos de pessoas com vidas mais emocionantes do que a sua e outra com o candy crush bombando, enquanto ao mesmo tempo você revê pela quinta vez um episódio de Friends e detona um pote de ranguendás, totalmente absorvida pelo sorvete, pela Rachel, pelo brigadeirão e por aquela sua amiguinha tímida da terceira série que hoje em dia é gata e tem um relacionamento e uma carreira muito mais excitantes do que as suas.
Percebi que eu tinha caído na velha cilada de menosprezar os problemas – e principalmente as soluções – dos outros. Fulano é diabético e parou de comer doce? Ah, mas parar de comer doce é fácil. (Ou: “É modinha. É coisa de hipster. Não é nada demais.”)
Fácil mesmo é diminuir, desconsiderar, fazer pouco caso de uma pessoa ou grupo de pessoas que estão tentando imprimir alguma mudança em um processo que vinha, de há muito tempo, cristalizado.
Meu risco elevado para diabete serviu pelo menos para isso: para eu olhar para aqueles que estão tentando mudar alguma coisa ou a si mesmos com um pouco menos de cinismo, e com um pouco mais de empatia.
Na minha bolsa de valores particular, um brigadeirinho de empatia está valendo mais do que todo um bolo de noiva de cinismo e gozação.