5 discos de 2013

Dois mil e treze foi um ano em que não ouvi muita música, então estou correndo atrás agora daquilo que passou batido ano passado – e não é que estou descobrindo que o ano passado foi um ano excelente para o jazz? Queria falar sobre cinco imensas, maravilhosas descobertas:
 
Gerald Clayton – Life Forum. Se quiser me dar um voto de confiança e guglar apenas um desses cinco discos que estou listando, esse é o cara. Estou gostando mais até desse disco do que do fabuloso Black Radio do Robert Glasper, apesar de (talvez justamente por?) não ser tão inovador quanto. Robert Glasper está a meio caminho entre o jazz e o R&B, revigorando, com isso, ambas as tradições; Gerald Clayton é mais propriamente um pianista de jazz, e principalmente compositor e arranjador. As 12 composições são suas, para formações diversas que incluem, além da seção rítmica, trompete (Ambrose Akinmusire), saxofones (Dayna Stephens e Logan Richardson) e vozes (Gretchen Parlato e Sachal Vasandani) (mas nem todos esses instrumentos aparecem em todas as músicas). Os cantores dão um colorido lindíssimo ao disco (inclusive esse moço Vasandani é o maior e melhor herdeiro do Chet Baker que já ouvi, guglem-no), os arranjos para metais e vozes são um desbunde, os improvisos todos dão vontade de decorar. É um disco de arranjos bem estruturados, com bastante espaço para improvisação – e acho que é por isso (além de algumas combinações timbrísticas, tipo uma melodia tocada por piano e trompete em uma região bem aguda e a condução da bateria em “Some Always”) que o disco me lembra um pouco o Pat Metheny Group dos anos 2000, só que mais rico composicionalmente e com uma sonoridade mais acústica (i.e. em vez de guitar synth, temos um trompete de verdade). Deixei para falar no fim sobre a primeira faixa, em que Gerald Clayton cria uma trilha sonora para um texto recitado pelo poeta Carl Hancock Rux – é um jeito brilhante de dar o tom do disco inteiro, com música e palavras, já nos primeiros compassos. É um disco que realmente merece ser ouvido inteiro – recomendo, então, começar a audição pelo começo.
 
Kendrick Scott Oracle – Conviction. Kendrick Scott lança mão do mesmo recurso usado por Gerald Clayton em Life Forum na primeira música: ele compôs música de fundo para uma oração – “Lord, make me an instrument of thy peace” -, que introduz de cara a vocação espiritual do disco. Kendrick Scott é baterista, mas este graças a deus não é um disco de baterista, e sim de compositor: impossível não lembrar, então, do outro grande (maior, eu diria) baterista-e-compositor do-mundo-e-do-universo de-todos-os-tempos, Brian Blade. Acho que a influência (apesar de ambos serem contemporâneos) da Brian Blade Fellowship sobre a Kendrick Scott Oracle é fato tão consumado que em “Liberty or Death”, por exemplo, não se trata nem de influência mais, e sim de um tributo escancarado mesmo, quando a guitarra se une ao clarinete baixo (aos 2:00 cravados). Mas, de modo geral, a Oracle é mais pop que a Fellowship – o disco tem duas lindas canções pop cantadas por Alan Hampton, que é um cara que não sei como não tem um disco solo até hoje. Eis aqui a primeira (e deliciosa) dessas canções.
 
Dayna Stephens – I’ll Take My Chances. Este é um disco da mesma “prateleira” que o do Gerald Clayton, até porque metade da banda se repete: em ambos, temos Dayna Stephens no sax tenor, Gerald Clayton no piano e hammond, Joe Sanders no baixo. A diferença maior de sonoridade é que aqui não há trompete e em vez da Gretchen Parlato temos a Becca Stevens, naquela que já é a minha versão preferida de Prelude to a Kiss (até falei sobre ela outro dia). Se você deu aquela chance ao Gerald Clayton e gostou, o próximo disco que você vai adorar ouvir é este – deixo o link também para o projeto atual do DS, que baixei mas ainda não ouvi.
 
Joshua Redman – Walking Shadows. Então você vai me perguntar como é que uma pessoa que supostamente gosta de jazz não ficou nem sabendo do disco novo do Joshua Redman no ano passado. E eu tenho uma teoria para isso. A teoria é que, como esse é um disco sax-com-cordas, os críticos reviram os olhos só de pensar no conceito (“musiquinha dos Beatles versão sax com violininhos ao fundo, com pouca ou quase nenhuma improvisação? NEXT”), e sendo assim o disco não entrou em nenhuma lista de melhores do ano em dezembro e não fiquei sabendo dele. Mas pode ser que eu esteja simplesmente projetando uma reação que foi a minha: afinal, convenhamos, que preguiça dum músico famoso que nesta altura da carreira e da vida escolhe regravar Beatles com orquestrinha em vez de desbravar novos territórios. Mas aí ouvi o disco, e minha conclusão imediata foi que sou uma idiota preconceituosa – por mais que o disco tenha sido feito no padrãozão mais batido que há 1) que mal há nisso se ele já começa com uma versão de The Folks Who Live on The Hill que mostra quem é que manda no mundo do saxofone atualmente 2) Wes já gravou esse tipo de disco pop com orquestra cinquenta anos atrás com lindos resultados 3) se tem uma pessoa que pode fazer isso dar certo é mesmo o Joshua Redman, ainda mais se assessorado pelo Brad Mehldau. Ajuda também o fato dele ter escolhido para o repertório 3 dos meus standards preferidos – além de The Foks, Lush Life e Easy Living.
 
Leszek Mozdzer, Lars Danielsson e Zohar Fresco – Polska. Aqui entramos em outra prateleira, outro tipo de música, outra categoria. O jazz nórdico é uma das paixões da minha vida, mas esse disco não é exatamente (ou melhor: não é apenas) o que normalmente eu espero dos discos suecos e poloneses que eu adoro, porque a percussão é do Oriente Médio (!) – não só os instrumentos (cujos nomes obviamente desconheço) como alguns padrões rítmicos me lembram bastante os que se ouvem nos discos do Avishai Cohen e do Shai Maestro, por exemplo. Guglei o percussionista Zohar Fresco e ele é israelense de pais turcos (o que fez todo o sentido). Não é um disco de composições fortes, eu acho, mas é todo uniformemente bonito – para alguns, talvez, soe “bonito” e “agradável” demais, reconheço. Mas sou suspeita mesmo para falar: absolutamente tudo em que Lars Danielsson está envolvido me interessa – e acho que você bem que podia se interessar um pouquinho também.

A eleição para o governo do estado de São Paulo

De 13 a 17 de junho de 2013, todas as imagens de bebês e gatinhos fofos que normalmente povoam o Facebook foram substituídas por imagens da Polícia Militar de São Paulo fechando a Avenida Paulista e atirando em pessoas desarmadas cujo único crime fora protestar contra o aumento da tarifa do ônibus. 

Em 17 de junho de 2013, centenas de milhares de paulistas foram às ruas contra essa violência policial – e, além disso, em apoio aos que reivindicavam a revogação do aumento da tarifa. 

Em 10 de junho de 2014, 41% dos paulistas aprovam o governo de Geraldo Alckmin – que, não custa lembrar, comanda a Polícia Militar, que de lá para cá não apenas não parou de atirar em manifestantes pacíficos como inclusive encarcerou dois deles

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Eu detesto perder a piada, mas desta vez vou ter que deixar passar a piada do Alckmin como Maria Antonieta e do paulista como o imbecil que não sabe votar. Para a piada ter graça, você tem que acreditar nela, e eu sinceramente não acredito que os paulistas que aprovam o governo Alckmin sejam masoquistas com grandes quantidades inatas de pulsão de morte. Prefiro uma explicação mais simples: se há uma grande aprovação do governo Alckmin, é porque alguma coisa este governo está fazendo certo, oras. Resta saber o quê.

Então, pensando nas coisas que não estão exatamente indo bem no estado de São Paulo, fiz uma ligeira retrospectiva mental de algumas das explicações e justificativas que o governo Alckmin vem fornecendo para estes problemas. Atenção para a minha tabelinha: 

Problema – explicação/justificativa tucana (comentário meu)

Falta d’água (cinco municípios em estado de emergência, racionamento há seis meses em Itu) – veja bem, é que não choveu (verdade, não choveu mesmo!)

70% das doações para a campanha de Alckmin até agora vieram de empresas acusadas de participar do cartel do metrô – veja bem, essas doações não são ilegais (verdade, não são mesmo!)

O cartel do metrô causou prejuízo estimado em R$800 milhões aos cofres públicos – veja bem, o estado foi lesado pela ação do cartel, se é que tal cartel existiu (verdade, foi mesmo!)

O metrô de São Paulo apresenta uma falha grave a cada 3 dias – veja bem, todos os sistemas de metrô do mundo estão sujeitos a falhas (verdade, estão mesmo!) 

Repare que a operação é sempre a mesma: apresenta-se como explicação ou justificativa para o problema um fato obviamente verdadeiro (alguém vai negar que não choveu?). É claro que, em todos os casos acima, basta pensar um minuto e um centímetro a mais do que sugerem as explicações e justificativas oficiais para concluir que elas não se sustentam: é evidente que não choveu, mas o governo do estado não só não fez os investimentos necessários nos sistemas de abastecimento de SP ao longo dos últimos 20 anos como também não seguiu o plano de contingência proposto pela Sabesp no início de 2014; as doações das empresas não são ilegais, mas certamente são ilegais (se comprovadas) as 11 licitações de contratos públicos vencidas por essas empresas durante governos de um partido para cuja reeleição estão contribuindo; obviamente os cofres públicos foram lesados pelo “suposto” cartel das empresas – e isso só foi possível porque servidores do governo – como o conselheiro tucano Robson Marinho, afastado do TCE esta semana – “supostamente” facilitaram o conluio; por vim, é verdade que todos os sistemas de metrô do mundo estão sujeitos a falhas, mas nem todos os sistemas de metrô do mundo foram reformados por empresas acusadas de vencer licitações de forma ilegal. 

Nenhum dos argumentos que apresentei no parágrafo anterior é especialmente complexo ou brilhante. Pelo contrário, é tudo de uma simplicidade tão rasteira que dói. Mesmo a imprensa paulista sendo descaradamente tucana (ou antipetista – o que, na prática, dá no mesmo), basta ler as matérias que saem nos grandes veículos da imprensa para chegar às conclusões que expus acima. Não é preciso – aliás, não é nem mesmo recomendável – ler blogs governistas. Os títulos das reportagens d’O Estado e da Folha, de fato, falam em “cartel da Siemens” e em “pagamento de propina” sem mencionar que tais propinas, se comprovadas, foram pagas a políticos do PSDB; mencionam um tal “Marinho” em vez de “conselheiro tucano”; alertam para a “crise hídrica” e o “rodízio” em vez de “falta d’água” e “racionamento”; e – cúmulo da ~neutralidade jornalística~ – anunciam “medidas equivalentes a racionamento” em vez de, simplesmente, “racionamento”. No entanto, basta ler essas matérias de títulos suaves até o final para chegar à conclusão de que há algo muito errado com o governo do estado de São Paulo.

Mas acontece que pouca gente se interessa em ler essas matérias até o final. A isso se chama despolitização. Despolitização não é apenas achar que política não importa ou não se interessar pela mesquinharia PT x PSDB. É não ver implicações políticas em determinados fatos da vida pública. É não estabelecer uma conexão entre problemas políticos (colapso do sistema de abastecimento, colapso do transporte público, colapso da USP etc.) e, justamente, os políticos que nos governam.

É isso que o governo Geraldo Alckmin faz extremamente bem: aproveita-se como nenhum outro dessa despolitização generalizada, com uma capacidade magnífica de dar explicações e justificativas absolutamente racionais e aceitáveis, desde que você não leia as letrinhas miúdas dos jornais (afinal, não está chovendo – você não está sentindo como o ar está seco?).

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Uns meses atrás, um pessoal no tuíter criticava Dilma porque um tuíte de seu perfil oficial continha um erro de ortografia. Considerei aquelas críticas uma tremenda babaquice – em linguagem tuítica, algo como “plmdds tanta coisa pra falar mal da Gilma e vcs tretando pq ela falou nóis vai nóis vorta vamo repensar as prioridade aê né glr” – e complementei minha crítica lembrando que o tuíter do governador Geraldo Alckmin era gramaticalmente impecável.

Qual não foi minha surpresa quando:

 Conversa governador inteira

Para além do fato de que a equipe responsável pelo tuíter do governador é ótima em gramática porém péssima em interpretação de texto, uma coisa ficou muito clara para mim: a correção gramatical do tuíter de Geraldo Alckmin é a mais completa tradução do governo do PSDB em São Paulo. A PM-SP mata mais do que todas as polícias dos EUA juntas – mas, no tuíter oficial do governador, todas as vírgulas e acentos e concordâncias verbais e nominais estão em seus devidos lugares. A PM-SP expulsou moradores do Pinheirinho de suas casas com uma violência chocante – mas, pouco depois, lá estava o governador no tuíter para explicar, em um português impecável, que a polícia simplesmente cumprira uma determinação judicial.

Em suma, a barbárie absoluta revestida por um fino verniz de cultura e civilização.

Um mundo despolitizado é solo fértil para um fruto que reluz por fora e está podre por dentro.

*** 

Mas ocorre que, em primeiro lugar, essa despolitização de que estou falando, apesar de generalizada, não é fixa nem imutável. Há brechas, há possibilidades. Não nos esqueçamos: houve o 17 de junho de 2013.

Em segundo lugar – com a eleição, mesmo a pessoa mais despolitizada se vê obrigada a pensar um minuto e um centímetro além do que dizem as explicações e justificativas oficiais do governo. Até os mais despolitizados entrarão em contato com as críticas que Skaf e Padilha (e todos os demais candidatos, suponho) certamente farão.

O verniz está a ponto de rachar.

De minha parte, acho que é possível contribuir para a quebra do verniz. Cito duas possibilidades:

– Fazendo a crítica da imprensa. É a coisa mais fácil do mundo. Basta LER o que diz a própria imprensa. Não é preciso fazer nenhuma pesquisa adicional. Basta ler as reportagens d’O Estado até o final para aprender que o “Marinho” do título não é qualquer zé mané, é um cara que foi chefe da Casa Civil do Covas, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, indicado por Alckmin e acusado (com fortíssimos indícios) de ter recebido propina da Alstom. Tudo isso está lá nas matérias sobre o cartel do metrô. Compartilhar essas informações no Facebook talvez não faça diferença alguma? É, talvez não. Mas certamente não atrapalha.

– Mostrando que o antipetismo não precisa se reduzir ao tucanismo. É perfeitamente possível ter ojeriza ao PT e votar em outro partido que não o PSDB. Existem outras opções certamente não piores do que o PSDB – se nada mais puder ser dito desses outros candidatos e partidos, que se diga que eles não destruíram o sistema Cantareira nem contribuíram para o sucateamento do metrô de São Paulo. Acho esse raciocínio – a não-redução do antipetismo ao tucanismo e vice-versa – bastante saudável, inclusive, em nível nacional, só que ao contrário: você odeia o PSDB? Ótimo: você não é obrigado a votar no PT por causa disso. 

Mas voltando a São Paulo: o mundo não se restringe ao PSDB e ao Alckmin. O mundo não pode se restringir ao PSDB e ao Alckmin. A vida pode ser melhor do que viver em um estado muito engraçado, que não tinha USP, não tinha água.

O verniz vai quebrar. 

#VaiTerSegundoTurnoEmSãoPaulo

Cuidando da TL

A vida é um constante cuidar. Cuidamos da casa e do corpo, dos filhos e cônjuges, de cachorros e gatos; cuidamos da saúde e cuidamos para não ficar loucos.

Por que não haveríamos de cuidar da própria TL?
 
Não estou falando das pessoas com quem efetivamente nos relacionamos na internet, mas daquelas que vemos de longe na TL e, não obstante, participam do nosso cotidiano, sobretudo se você é uma pessoa que passa o dia diante do computador (se você está me lendo, provavelmente é o seu caso).
 

Já são pouquíssimas as coisas que escolhemos nesta vida. Não escolhemos o país, a família ou a classe social em que nascemos. Não escolhemos orientação sexual nem aqueles por quem nos apaixonamos – somos escolhidos por eles. Não escolhemos altura nem cor dos olhos. Não escolhemos talento para as artes nem para os esportes. Não escolhemos sogro e não escolhemos chefe.

Mas podemos escolher as pessoas que lemos nas redes sociais.
 
O coleguinha é inteligente, mas acha que o político X deveria ter estado no avião?
 
A moça compartliha umas fotos lindas de pôr-do-sol, mas acha que gay não pode dar bandeira?
 
A prima distante é querida, mas acha que bolsa presidiário é uma coisa que existe?
 
Repita com a tia: Você. Não. É. Obrigado.
 
Estou falando de um problema que acomete diariamente a todos os que usam bastante as redes sociais, mas que vem à tona de forma especialmente inescapável quando ocorre alguma morte trágica e, com ela, o infeliz advento de comentários que acabam com qualquer possibilidade de fé na espécie humana. Como proceder: abrir-se para toda e qualquer pessoa que lhe adicionar (incluindo aí pessoas sabidamente malucas, como os combatentes da ditadura comunista que assola o Brasil) ou selecionar a TL cada vez mais (de modo que, no limite e no fim das contas, você exclua todos os seus contatos e só reste você mesmo)?
 
Entre esses dois caminhos, existe um que não é o do meio-termo (pois o meio-termo, amigos, não é solução para nada: uma comida que está no meio do caminho entre o doce e o salgado é apenas uma comida horrivelmente insossa) e não é nada fácil, mas me parece o único possível – o caminho da Leila Diniz:
 
“Na minha TL pode entrar todo mundo, mas não entra qualquer um.”
 
Eu não sei quais são os seus limites, seus critérios, suas (im)possibilidades. Eu não sei, em suma, quem é o seu “qualquer um”. Mas você com certeza sabe. Não estou falando simplesmente de coisas com as quais não concordamos, e sim daquelas que têm o potencial de acabar com nosso dia quando as lemos. Vai ver, por exemplo, você tolera numa boa o cara bonachão que reclama da tal ditadura comunista, mas não suporta que façam contagem regressiva para a morte do Sarney.
 
Meu ponto é: se você viu algo que lhe desagradou profundamente, faça algo a respeito. Não deixe passar batido nem busque explicações profundas para o seu incômodo; apenas tome uma atitude, pare de sofrer e evite sofrimentos futuros, porque as pessoas são fundamentalmente previsíveis – quem desejou a morte do Sarney no acidente de ontem voltará a desejá-la apenas surja a notícia da internação hospitalar de alguma celebridade.
 
Exclua, oculte, organize listas: todas as redes sociais têm diversos mecanismos de apagamento de barbaridades (sem eles, já teriam entrado em combustão espontânea). Não passe nervoso com isso. Já passamos nervoso o suficiente com o executivo e o legislativo, com a Tim e com a Net.
 
Não é preciso, creia, passar nervoso com “amigos” que só existem em nossas vidas porque, um dia, clicamos em um botãozinho chamado “aceitar solicitação de amizade”.

A arte de escolher o inimigo

Acho normal e compreensível uma pessoa feminista e de esquerda não gostar do Alex Castro (se você não o conhece, ei-lo). Acho mais normal e compreensível ainda uma pessoa feminista e de esquerda *gostar* do Alex, dado que ele é um simpatizante da causa – mas as preferências do coração têm razões que a própria razão e a própria esquerda desconhecem. Então, não tenho nenhuma dificuldade em entender ou empatizar com quem não gosta do Alex. Normal, ué. Até aí, eu não gosto de Clarice Lispector – vou julgar quem não gosta do Alex Castro? Acontece.

Para além das preferências do coração, entendo também quem acha que um homem não tem nada a contribuir com o feminismo. Não é esta minha posição: sendo o machismo um problema estrutural da sociedade, parece-me evidente que a sociedade como um todo deve enfrentá-lo, e a sociedade como um todo, goste-se disso ou não, inclui também (pausa para revelação bombástica) os homens. Mas, enfim, o debate sobre o papel dos homens no feminismo é obviamente muito complexo e não tenho nenhuma dificuldade em entender ou empatizar com quem tem uma opinião diferente da minha. Eu mesma não tenho certeza nenhuma de estar certa sobre isso – francamente, meu conhecimento sobre o feminismo só não é menor que meu conhecimento sobre o javanês.

Entendo, portanto, quem, por um motivo ou por outro, acha que os textos do Alex não são lá essas coisas – ainda que, pessoalmente, eu considere que eles oscilam entre o “apenas bom” e o “escandalosamente brilhante”.

Mas existe uma distância considerável entre achar que o Alex (ou antes, seus textos) não são nada demais nem grande coisa – ou mesmo inúteis e equivocados – e elegê-lo como O INIMIGO a ser combatido.

Essa distância, inacreditavelmente, foi percorrida por coletivos feministas e de esquerda.

E, quando essa distância é percorrida – isto é, quando você elege um *simpatizante do feminismo* como um inimigo contra quem vale a pena lutar – bem, aí eu sinto muito, mas meu entendimento e minha empatia, diferentemente da zuêra, TÊM LIMITES.

Meus inimigos neste mundo são a crueldade e a ignorância, o racismo e a falta de empatia, o machismo e o desejo de transformar índios em pobres, e por aí vai. Como bem sabe qualquer pessoa que já ligou a TV, entrou na internet ou abriu um jornal, estes “inimigos” têm espaço cativo em veículos como a Globo, a Record, o SBT, a Editora Abril – e em partidos políticos como o PSDB e, infelizmente com cada vez mais frequência, o PT. É essa, para mim, a luta que vale a pena ser lutada, no miudinho, todos os dias. A luta contra o jornal que anuncia “medidas equivalentes a racionamento”. A luta contra a propaganda do metrô de que trem lotado é bom para pegar mulher. Esses são discursos que quero escrachar, denunciar, ridicularizar, sempre que eu puder e conseguir.

Já a ideia de que “devemos abrir mãos de nossos privilégios” (Castro, Alex) – essa é uma ideia que quero ver sendo debatida, disseminada, até mesmo contestada. Mas nunca, jamais, banida – ainda que ela tenha sido enunciada por um homem-branco-hétero-cis.

***

A Mary W. comentou o lance do Alex com as feministas muito melhor do que eu (óbvio). Para mim, a parte mais tristemente reveladora da resposta dela é o P.S., em que o Alex explica como foi que o escritor “ó-tão-poderoso” (para usar uma expressão tipicamente alex-castrista) conseguiu seu espaço na revista ó-tão-poderosa:

Ele foi lá e se ofereceu para escrever de graça.

No que eu me pergunto: o que as pessoas ó-tão-revoltadas com o Alex Castro estão fazendo para que seus textos e ideias sejam lidos e divulgados? Elas estão entrando em contato com diversos veículos, oferecendo conteúdo, comprometendo-se a escrever regularmente e de graça – ou estão olhando fixamente para a caixa de entrada do gmail esperando aquele (1) em negrito com um convite para escrever uma coluna paga na revista de sua preferência?

(Disclaimer: sim, eu também sonho com o dia em que a Piauí vai me mandar esse maravilhoso e-mail, beijo pra todos vocês que tão na mesma.)

A vida real, ela é bem ridícula. Ela é feita de escritores que escrevem de graça e de não-escritores que não entendem que é possível escrever de graça. Para escrever de graça, não precisa nem ligar para a Revista Fórum. Basta, por exemplo, criar um blog.