Frim Fram Sauce

Supermercado quase dez da noite e todo mundo com cara de tô-morrendo e tô na fila tá chegando minha vez quando de repente soam nos falantes:

“I don’t want French fried potatoes, red ripe tomatoes…”

Meu disco preferidíssimo da Diana Krall, de 1996, da Impulse, o segundo dela, um disco sem nenhuma pretensão, nenhum malabarismo, nenhum grande conceito que não o manjadíssimo conceito de tributo, um tributo ao Nat King Cole, que para quem não conhece é uma espécie de Cartola do Norte, mas voltando, é um disco de trio piano-baixo-guitarra, isso mesmo, pois assim era o trio do Nat King Cole, todo mundo tocando MUITO, Diana Krall tocando piano lindamente e fazendo solinhos memoráveis, ou vai ver não são nada memoráveis e eu memorizei tudo só porque ouvi esse disco loucamente na minha adolescência, e essa música em particular, ESSA música, é sobre uma mulher que gosta de comer, e não se sabe se é mesmo de comer que ela gosta, se ela gosta de umas comidas imaginárias, ou se ela gosta mesmo é de sexo, mas o que se sabe com certeza é que chegou a minha vez na fila do caixa e o seguinte diálogo ocorreu entre eu cantando a plenos pulmões e gesticulando loucamente a cada pergunta e a funcionária do supermercado cumprindo dignamente sua função:

“I’m never satisfied!”

“Cliente super-ultra-plus?”

“I want the frim fram sauce with the ossanfay, with shafafa on the side”

“CPF na nota?”

“I don’t want pork chops and bacon, that won’t awaken”

“Vai utilizar o crédito plus-ultra-super que a senhora tem acumulado?”

“My appetite inside!”

“Aperta três vezes pra cancelar, por favor”

“I want the frim fram sauce with the ossanfay with shafafa on the side”

“Sacolinha?”

“Well you know a girl, she really got to eat”

“Vou colocar os pontos pra você”

“And a girl she should eat right”

“Crédito ou débito?”

“Five will get you ten”

“Tá participando da promoção?”

“I’m gonna feed myself right tonight!”

Sim, eu estava participando da promoção e a promoção consiste em que você gasta vinte reais e ganha uma figurinha para colar na cartelinha pois é assim que nós adultos responsáveis brincamos de álbum de figurinha, e no fim do álbum após deixar aproximadamente vinte mil reais no supermercado ganhamos uma faca que procurando bem deve custar uns trinta reais na Liberdade –

– aí que esta noite gastei quarenta reais no supermercado;

– aí que a funcionária me deu QUATRO FIGURINHAS!!!

Em outros dias, outros momentos, eu diria que a funcionária ficou tão atordoada e de saco na lua com a cantoria toda que nem sabia mais o que estava fazendo e se confundiu no cálculo das figurinhas;

Em outros dias, ainda, eu diria que a funcionária distribui figurinhas extras de propósito como parte de um estrategema infalível e secreto de levar o supermercado à falência;

Em outros dias, por que não, eu diria que a funcionária não está nem aí pra porra de figurinha nenhuma e as distribui sem critério algum;

Mas hoje, esta noite, eu escolhi acreditar que ganhei duas figurinhas a mais porque a funcionária gostou de me ouvir cantando.

Ganhei um Grammy em forma de um centésimo de uma futura faca <3