A capa dupla da revista TPM, que tanto circulou ontem, inicialmente me incomodou por um motivo óbvio: eis que de repente uma revista que põe na capa uma moça branca, magra e dentro dos padrões de beleza passa a ser vista por metade da minha TL como contestadora e revolucionária. Fiquei com vontade, então, de explicar melhor o meu incômodo.
Sem dúvida, a estratégia de marketing de TPM é bastante inteligente. Eu descreveria as duas capas da seguinte forma: a primeira, “falsa”, ironiza as revistas femininas tradicionais, mostrando a atriz Alice Braga de maiô e fazendo cara de quem está se esforçando para ser sensual; a segunda, por oposição, é a capa “verdadeira”, mostrando a mesma atriz em roupas confortáveis e postura relaxada.
A justaposição das fotos é cuidadosamente pensada para nos fazer esquecer que ambas foram igualmente produzidas e retocadas; para nos fazer esquecer que ambas reforçam o mesmo (e dominante) padrão de beleza. A segunda capa, em particular, parece transmitir a ideia de que, para ser uma pessoa famosa, rica, linda, bem-sucedida etc., basta “ser você mesma” – isto é, usar uma ropticha véia de academia e dispensar o laquê no cabelo – que um dia você chega lá.
A Juliana fez uma ótima análise das capas, apontando uma contradição fundamental da TPM em um assunto que adoramos fingir que não existe: o dinheiro. As jovens, belas e bem-sucedidas mulheres retratadas por TPM têm estilos de vida certamente não-financiáveis por profissões “de humanas”. A conta não fecha, por assim dizer: o não-dito da capa em que Alice Braga aparece sorridente é que pertencer aos padrões de beleza (e, de forma mais ampla, levar o estilo de vida das mulheres retratadas pela revista), longe de ser algo que ocorre “naturalmente”, custa dinheiro – um dinheiro que poucas mulheres podem pagar. É sobre dinheiro que TPM insiste em não falar quando mostra em suas páginas pessoas cujas profissões, nas palavras da Juliana, “não comportam o nível de consumo que (…) aparentam ter trabalhando a quantidade de horas que (…) alegam trabalhar.”
E é sobre dinheiro, insisto eu, que TPM continua não falando ao se colocar como a alternativa autêntica/real/verdadeira ao universo fake de Nova com suas mulheres cheias de brilhos e silicones na capa. Enquanto a mulher de Nova seria apenas uma construção imaginária com o objetivo de nos fazer gastar dinheiro em produtos de beleza e outras quinquilharias, a mulher de TPM, por outro lado, seria a “mulher verdadeira”, a mulher do mundo real, que consegue ser sexy mesmo usando roupas confortáveis. O pulo do gato, que escamoteia a dimensão econômica do que está em jogo, é esta oposição entre falsidade e realidade. A capa de TPM nos faz crer que apenas a mulher de Nova é um constructo imaginário cujo objetivo último é gerar lucro; nos faz crer que TPM sim mostra a mulher de verdade, a mulher-como-ela-realmente-é. Como se produto fosse só o que Nova vende; como se TPM estivesse preocupada apenas em celebrar a verdadeira e autêntica mulher que há em cada uma de nós.
Pois bem: ambas são constructos. Ambas são ideais. É disso que as revistas femininas (e masculinas também, diga-se) vivem: da construção e promoção de um ideal, por definição inatingível, a ser perseguido pelas leitoras. A “mulher real” de TPM é tão imaginária quanto as deusas do sexo de Nova ou as rainhas do lar de Claudia. É mais um produto a ser vendido e consumido, com a particularidade de que finge ser “autêntico” (isto é, finge não ser um produto). Em suma, TPM, assim como Dove, faz uso do nosso anseio por autenticidade – do nosso cansaço com o mundo das celebridades perfeitas que já acordam maquiadas de manhã – para vender um produto, a “mulher real”, que nos “liberta” da opressão das dietas e dicas sexuais acrobáticas apenas para vender uma ideia tão opressora quanto: a de que é possível custear o estilo de vida bacana e descolado que a revista mostra trabalhando pouco e ganhando menos ainda.
Nada disso quer dizer que Nova e TPM sejam “tudo a mesma coisa”. Os produtos – isto é, os ideais de mulher / estilos de vida – que as revistas vendem não poderiam ser mais diferentes – e, estilo de vida por estilo de vida, o meu certamente não envolve enlouquecer homens e testar dietas. Só acho que seria interessante – para não dizer honesto – se TPM reconhecesse que o seu ideal de mulher, em primeiro lugar, é apenas um ideal; e, mais que isso, um ideal tão ou mais inatingível do que aquele que ela chama de mentiroso. Quem é que está mentindo mesmo?