Minha mãe nasceu em 1958. Votou no Lula em 1989. Morreu em 1992. Passei boa parte da minha vida tentando descobrir que tipo de pessoa ela era – pense na imagem que você fazia da sua mãe aos dez anos (idade que eu tinha quando ela morreu) e pense na imagem que faz dela hoje: são duas pessoas bem diferentes, aposto –, tentando descobrir quais eram seus sonhos, desejos, defeitos, ambições. Ainda tento, claro. Hoje, porém, costumo dedicar mais tempo a um outro tipo de exercício (bastante tonto, reconheço): imaginar que tipo de pessoa minha mãe seria hoje, se um carro na contramão não tivesse tirado sua vida. Não tivesse tirado ela de mim. Não é que eu pense nisso todos os dias. Mas tem dias em que é a única coisa em que consigo pensar. Se eu mostraria para ela o disco novo do Dayna Stephens que acabei de baixar. Se eu contaria para ela que ando insegura demais com minha aparência. Se ela gostaria dos meus bolos e das minhas massas. Se ela já teria me ensinado a fazer bomba de chocolate. Se teria votado em Dilma hoje ou se, como eu, teria anulado angustiada. E obviamente não existe resposta para nada disso. São apenas fabulações tontas e sem sentido. Mas que às vezes, por tontas que sejam, me ajudam um pouco. Como hoje, por exemplo. Eu não sei direito que tipo de pessoa minha mãe era, e sei bem que não adianta pensar em que tipo de pessoa ela teria sido porque a verdade é que ela não pôde ser. Mas dane-se que não adianta, porque de uma coisa eu tenho certeza absoluta: minha mãe não era, de jeito nenhum, mulher de ficar de ~luto pelo Brasil~. De ameaçar mudança para Miami. De defender o impeachment. De xingar nordestino. De querer o separatismo. De achar que o Mal e a Corrupção venceram os Homens de Bem.
Poucas vezes senti tanta saudade dela quanto hoje.