Depois de infinitas reportagens sobre madames do interior que vêm de helicóptero a São Paulo para comprar bolsas de dez mil reais no shopping-aonde-não-se-chega-de-ônibus; sobre madames da capital que fizeram um protesto indignado no estacionamento desse mesmo shopping; sobre o rei do camarote extremamente afeito a coisas que “agregam”; sobre candidatos a reis do camarote que enchem o quarto da maternidade de charutos e uísque…
… estou ficando um pouco cansada dessas reportagens que bem poderiam ser chamadas de “Alá o Rico Idiota”.
Como os jornais não demoraram a perceber que esse tipo de notícia gera cliques, as reportagens de Alá o Rico Idiota estão cada vez mais bem feitas e bem-sucedidas em gerar níveis estratosféricos de vergonha alheia – quem não compartilhou nenhum meme do rei do camarote que atire a primeira bebida que pisca. Tenho a sensação de que as reportagens de Alá o Rico Idiota apelam justamente ao nosso amor-próprio: “os reis do camarote podem até ser ricos, mas são cafonas e idiotas – já eu, bem, eu sou apenas classe-média, mas pelo menos tenho noção do ridículo”.
Mas o Rico Idiota pode ser um personagem muito conveniente para quem, se não gasta milhares de reais em bebidas que piscam, já era classe média muito antes do primeiro governo Lula (é o meu caso e o da maioria das pessoas com quem convivo). O Rico Idiota reforça a ideia de que quem tem poder econômico na sociedade é sempre o outro, nunca eu: a óbvia disparidade econômica entre a classe média tradicional e os Ricos Idiotas (ninguém em meu círculo social gasta dez mil reais em bolsas e champanhes) cria a ilusão de que estamos mais próximos de nossas faxineiras e manicures do que de fato somos. Se rico e privilegiado é apenas o rei do camarote e a comedora de coxinha de ossobuco, então eu e o pessoal que ganha um ou dois salários mínimos tamojunto nos 99%.
Outra coisa que tem me incomodado nas reportagens de Alá o Rico Idiota é uma consideração bem simples: edição é tudo. Se um repórter acompanhado de um cinegrafista passasse tempo suficiente comigo e fizesse as perguntas certas, não seria difícil que eu dissesse, despretensiosamente, as seguintes frases:
– Detesto funk carioca e sertanejo universitário.
– Gosto de jazz e MPB.
– Acho o governo Dilma uma decepção.
– Acho os laticínios brasileiros um horror e sinto muita falta do iogurte que eu tomava quando morava nos Estados Unidos.
Faça a edição correta destas quatro frases em vídeo e voilà – nasce, se não propriamente uma Rica Idiota, no mínimo uma Coxinha Esnobe para regalo e deleite da internet.
E mais: para além da edição do vídeo propriamente dita, há também a inevitável edição mental que cada espectador fará do vídeo, que não raro tenderá a privilegiar os elementos que compõem a figura do Rico Idiota e desconsiderar aqueles que não se adequam ao perfil. Também havia dadinho de tapioca no camarote dos yellow blocs, mas falou-se apenas da coxinha de ossobuco; houve pelo menos um rapaz que criticou as vaias à Dilma, mas preferiu-se enfatizar a fala daqueles que apoiaram o xingamento.
Se escrevo este texto, não é para defender gente que certamente não precisa de defesa alguma – nem muito menos para argumentar que #SomosTodosCoxinhaDeOssobuco, pois ainda que o elitismo seja generalizado entre a classe média, o fato é que a maioria de nós não tem mil reais sobrando para gastar na baladjeenha da Copa.
Escrevo este texto porque, além de cansada dessa fórmula caça-cliques, a reportagem dos yellow blocs, diferentemente de reportagens semelhantes que a precederam, não está sendo compartilhada apenas no espírito da zuêra: algumas pessoas também a estão usando como argumento para a eleição.
O argumento é: ou você está com Dilma, ou você está com os yellow blocs. Ou reelegemos Dilma, ou colocaremos um Rico Idiota no poder.
O problema desse argumento não é só que os ricos – tanto os idiotas quanto os nada bobos – já estão muito bem representados no poder (como, aliás, sempre estiveram). O problema é pensar o Brasil como se não existisse vida para além do PT: se você não é um Rico Idiota que come coxinha de ossobuco e odeia o PT, então só lhe resta votar no PT. Como se tudo na política brasileira precisasse se estruturar em torno do PT: ame-o ou deixe-o. Vote Dilma ou seja um fac-símile de Rico Idiota – com a diferença de que os Ricos Idiotas pelo menos são ricos, e você, não votando em Dilma, será apenas um idiota.
Não há Rico Idiota no Brasil que me preocupe tanto quanto essa ideia de que, em política, temos apenas duas opções: PT ou anti-PT.
Isso que você percebeu é um tipo de estratégia política, muito bem utilizada pelo PT no Brasil, e por outros partidos pelo mundo.Bem relatada por escritores de esquerda, se pesquisar. Você gera uma divisão entre dois lados, os quais você faz as pessoas acreditarem que são lados opostos de uma mesma linha, um assunto unidimensional, quando na verdade ele tem mais de uma dimensão, tendo muitos outros “lados”. O lado bom, que todo mundo quer ser, você faz ser o seu, o lado ruim, o seu adversário. Sinceramente, quantas pessoas você conhece que se enquadram, ou até se consideram dentro da elite brasileira? Os 1%? A Elite que faz tanta coisa mais que ninguém vê ela no dia-a-dia, porque ninguém se identifica com o que é dito sobre ela. Apenas exemplos singulares e soltos. A Elite na mídia brasileira é caracterizada pelo dinheiro apenas, o cara sendo um acéfalo ou não (melhor que seja acéfalo), pra mim a característica mais importante para ser considerado elite de um país é a educação, elite intelectual, e a nossa cultura não recompensa os intelectuais nem faz ninguém querer virar elite. Quem enriquece se considera rico, mas não acha nem quer ser, essa tão horripilante elite. E que, vejamos bem, pelo significado do dicionario, devia ser os melhores no meio de todos.
excelente texto. compartilhando.
Excelente texto, mas você se esqueceu de ressaltar a hegemonia que o PT possui na politica Brasileira, com quase 2 décadas de poder centralizado, e em uma democracia, a alternância de poder (uma coisa é a politica de uma população heterogenia, outra é a da politica legislativa, e é ingenuidade ou desonestidade desconsiderar uma em relação a outra) é o fiel da balança, balança esta, desequilibrada pelos MILHARES de micro partidos, que são apenas mercadoria no balcão do peixe legislativo… Este é o problema, não a AUSÊNCIA de uma terceira via, é a presença de FALSAS 3ª, 4ª, 5ª…etc vias, que são só pra constar, tal qual a oposição de fachada que o PT enfrenta todos os dias.
Verdade
Minha nossa! um vídeo da folha é a favor do PT? Lança uma tese. Governar pelos pobres e para os pobres é a tristeza de quem quer ser rico.
Existe alguém do PT que não seja rico e, por tabela, da zelite?
Algum político do PT anda de Uno ou Celta?
Alguém que critica as zelite anda de busão tido dia, pra ir ao trabalho comissionado?
Aliás, o “Lula do povão” ganha quanto por mês?
Pra mim, isso tudo é conversa pra boi dormir. Boi, entenda-se, é o brasileiro médio que ainda acredita nisso.
Triste, mas verdade.
Sensacional, uma das melhores coisas que eu li sobre a política brasileira nos últimos tempos.
Eu achei o texto muito bom, e até a conclusão é bem elaborada, mas… Já pensou também que o contrário acontece?
Defender o atual governo diante das alternativas é ser petista. A pessoa não pode achar melhor sem ser taxado de radical petista.
Qual lado está certo?
Na minha mais humilde opinião, o maior concorrente do PT é a REDE GLOBO: tá cheia de artistas!
o foda é a pessoa ler um texto maravilhoso como esse e achar que se trata de um texto anti-PT.
Ótimo texto, Camila. Veio ao encontro de umas coisas em que tenho pensado bastante. Beijos do Guavaman (eu sumo, mas uma hora volto :)).